Pular para o conteúdo principal

A generosidade do Natal!





Depois de algum tempo de busca espiritual, nos deparamos com o Natal em sua divina-humanidade.  Cada vez que nos debruçamos a entender o que há de divino no Natal, encontramos nele a humanidade. 

Trata-se da história de um homem que se manifesta em sua completa finitude, em sua mais pura humanidade. Aquele que é o centro das opulentas atrações natalinas nasceu pobre, mendigo, forasteiro e desamparado.

O que há de divino nisso? Nada, se considerarmos como divino algo sobrenatural. Diariamente nascem milhares de crianças em circunstâncias parecidas e até piores. O menino que hoje celebramos não veio para ser um monarca poderoso, com muitos bens e reinos, veio para ser servo, humilde e simples. 

O Deus Cristão é o Deus-Homem, humano, finito. Este Deus se fez o menor de todos, se fez frágil, pequeno... se fez menino... 

Um menino como qualquer outro, que sentiu fome e chorou, que mamou, que teve todas as necessidades de qualquer pessoa, que perdeu seus dentinhos de leite. O Deus que ali nasceu não trouxe nada do que o paganismo reservava aos seus deuses, não era majestoso, não estava acima de nada, não era orgulhoso nem invejoso. Estava acima somente de algumas palhas num cocho destinado a alimentar animais. Brincava como qualquer criança, se sujava de lama, atrapalhava o pai na marcenaria... era criança...

A divindade ali nascida veio manifestar a humanidade, foi humano em todos os seus atos. Sentiu exatamente tudo que sentimos, foi impactado e vivenciou nossas emoções aflitivas. Sentiu raiva quando expulsou os vendilhões do templo (mesmo assim os vendilhões continuam se espalhando), sentiu apego e chorou quando seu amigo Lázaro morreu. Foi tentado a ser orgulhoso e a ter inveja, mas por quarenta dias jejuou e se purificou de todos os venenos da mente. Jesus foi homem e ser humano diz possuir os 5 venenos da mente e lidar com eles. Cristo-Homem viveu estes venenos e os superou. 

Em sua existência conosco manifestou uma das principais virtudes por nós conhecida, a generosidade. Cristo é manifestação pura de generosidade, manifestação que não é diferente de amor-compaixão. Foi generoso ao nascer como humano. Foi generoso ao entregar-se a nós como um de nós. Foi generoso quando pouco possuiu. Foi generoso quando muito amou.

Generosidade diz a capacidade de acolher a todos, a capacidade de dar e de receber, a capacidade de reconhecer o outro enquanto tal. Cristo-homem ensinou muito de humanidade, amou a humanidade até o fim, e foi extremamente generoso ao entregar-se. 

O que conseguimos manter do que ensinou o Homem-Cristo? Muito pouco! Transformamos o Natal num emaranhado de símbolos, um emaranhando de luzes, um tanto de bolinhas coloridas, uma imensidão de presentes, tudo isso permeado de um pieguismo romântico-emotivo. 

Não aprendemos o essencial, a generosidade de nosso Deus. Hoje, vivemos o universo do apego às muitas coisas e tratamos a generosidade como uma doação que surge das sobras. Damos aos outros o que não nos serve mais. Ao invés de sermos generosos, usamos o outro como um solucionador de nossos problemas, oferecemos a ele aquilo que ao nosso ver já não estaria mais conosco e agora só ocupa espaço. Muitas vezes, doamos algumas coisas não pela intenção pura de beneficiar os outros, mas com a necessidade de pessoal de apaziguar nossas crises de consciência. Doamos como alguém que possui e está acima, oferecendo algo a quem está abaixo. Este tipo de doação não é expressão de generosidade, pois a manifestação de Cristo não divide uns dos outros. Em Cristo não há distinção, em Cristo todos são um. A manifestação de Cristo no Natal tem a ver com a generosidade de acolher a todos, sem distinções.

A generosidade de Cristo diz dar exatamente daquilo que se tem e que faz falta. A generosidade de Cristo diz dar a vida, entregar-se. A generosidade que nos é apresentada pelo Cristo nos mostra que pouco é necessário, e que este pouco necessário que possuímos é possível repartir e que ao repartimos todos serão beneficiados. 

Após alguns anos de prática budista, foi possível se tornar mais cristão. Pelo exemplo de Cristo e sua vida-ensinamento é possível desenvolver amor, compaixão, equanimidade e alegria. O exemplo de Cristo faz com que, em reconhecendo o outro em sua essência, sejamos capazes de nutrir amor por todos, sejam eles quem forem, sem qualquer distinção.

Que neste Natal sejamos impactados pela virtude da generosidade e possamos acolher a todos, sem exceção, reconhecendo em todos a mais pura manifestação da divina-humanidade manifestada pelo menino do presépio.

Feliz Natal!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A importância do outro - Oito versos que mudam a mente - Primeiro verso

O mestre Tibetano Geshe Langri Tangpa (1054-1123), considerando as oito preocupações mundanas, elaborou um breve e profundo ensinamento em 8 versos. Estes versos servem para nossa meditação diária, apoiando nossas pequenas ações e ensinando-nos a lidar com os outros. Tradicionalmente chamamos este ensinamento de: 8 versos que mudam a mente. Antes de entrar no primeiro verso, é necessário considerar que as 8 preocupações mundanas são: 1 - Querer ser elogiado; 2 - Não querer ser criticado; 3 - Querer prazer; 4 - Não querer dor; 5 - Querer ganhar; 6 - Não querer perder; 7 - Querer ser reconhecido; 8 - Não querer ser ignorado. A apresentação dos 8 versos permite que a cada dia possa ser analisado um deles e de sua análise possa surgir a prática espiritual. A prática espiritual proposta pelo budismo se dá em 4 níveis e desta forma cada verso precisa ser aplicado. O primeiro nível é a lucidez comportamental. Pelo nível comportamental mudamos nossas ações diárias de modo q...

Nobreza de Costumes

No período medieval, a nobreza não estava somente ligada a quem fazia parte de um grupo seleto de nobres, isto é, uma aristocracia, um clã, uma gesta. A nobreza não estava restrita aos parentes ou amigos do rei, àqueles quem tinham o sangue azul. Ser nobre era antes de tudo possuir um imenso grupo de qualidades pelas quais o homem demonstrava seu verdadeiro valor na sociedade. A “Nobreza de costumes” é o melhor termo para identificar este fenômeno. Quando falamos em nobre, neste contexto, queremos apresentar uma identidade não jurídica, mas existencial, o modo de ser daquele que tem postura nobre, daquele que é naturalmente nobre. Ser nobre é dar sentido a tudo que se faz, é não se desgastar, ou gastar a vida, com coisas pequenas, é estar aberto às discussões sem deixar-se vencer pela passionalidade, é falar o que tem de ser dito, é não perder a postura diante das adversidades da vida. Ser nobre é antes de tudo ter um modo próprio de agir e fazer o que deve ser feito. A nobreza t...

Divindade e Humanidade de nosso Deus

Mais um ano se encerra, mais um Natal se aproxima. Neste ano observamos o crescimento de uma fé num Deus triunfante, um Deus-Rei que mora longe. Surge um Deus que se manifesta na emoção do louvor e na efusão da pregação. Mas e o Deus-Homem Jesus Cristo? Para onde foi? Aquele homem que nasceu pobre, viveu entre os menos abastados, que foi simples, para onde ele foi? A experiência da fé em um Deus-Homem parece se perder. Surge uma fé no extraordinário. Surge uma fé em um Deus individual que não se manifesta no outro. Se o cristianismo primitivo considerava a manifestação de Deus no outro, sendo a comunidade o ponto central, essa nova forma de fé trata de um Deus que se manifesta individualmente para cada um. Um Deus do indivíduo... Lentamente a perspectiva da comunidade parece se perder. Sem comunidade, não há cristianismo. Com a falta da perspectiva da comunidade, começamos a não reconhecer o outro como tal e perdemos de vista as necessidades e peculiaridades de cada...