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A importância do outro - Oito versos que mudam a mente - Primeiro verso





O mestre Tibetano Geshe Langri Tangpa (1054-1123), considerando as oito preocupações mundanas, elaborou um breve e profundo ensinamento em 8 versos. Estes versos servem para nossa meditação diária, apoiando nossas pequenas ações e ensinando-nos a lidar com os outros. Tradicionalmente chamamos este ensinamento de: 8 versos que mudam a mente.

Antes de entrar no primeiro verso, é necessário considerar que as 8 preocupações mundanas são:

1 - Querer ser elogiado;
2 - Não querer ser criticado;
3 - Querer prazer;
4 - Não querer dor;
5 - Querer ganhar;
6 - Não querer perder;
7 - Querer ser reconhecido;
8 - Não querer ser ignorado.

A apresentação dos 8 versos permite que a cada dia possa ser analisado um deles e de sua análise possa surgir a prática espiritual. A prática espiritual proposta pelo budismo se dá em 4 níveis e desta forma cada verso precisa ser aplicado. O primeiro nível é a lucidez comportamental. Pelo nível comportamental mudamos nossas ações diárias de modo que possamos melhorar a cada instante em relação aos outros. Mudando nosso comportamento, tendo lucidez em cada ação, conseguimos evoluir para o segundo nível, lucidez meditativa. A lucidez meditativa permite a abertura e a clareza da possibilidade da percepção da realidade última. Quanto mais lucidez meditativa mais domínio podemos ter de nossos sonhos, desenvolvendo a partir disso os sonhos lúcidos (prática meditativa durante o sono). Uma vez experimentada a lucidez nos sonhos, podemos desenvolver a lucidez para o bardo da morte. Trouxemos neste parágrafo diversas ideias, ainda bem rudimentares, mas que desejam somente mostrar um processo de evolução meditativa que podemos desenvolver a partir da contemplação e prática dos oito versos que transformam a mente.

Diz o primeiro verso:

1. Com a determinação de alcançar
O bem supremo em benefício de todos os seres sencientes,
Mais preciosos que uma jóia mágica que realiza desejos,
Vou aprender a presa-los e estima-los no mais alto grau.

O primeiro verso apresenta, de chofre, o motivo pelo qual nos empenhamos na prática espiritual, o benefício de todos os seres. A prática do budismo vajrayana tem como objetivo individual de cada praticamente a iluminação de todos os seres. Desta forma, nossa meditação não deve estar centrada na iluminação individual e egóica, mas sim na iluminação de todos aqueles que estão próximos a nós ou de, alguma forma, se conectam conosco.

Ora, se é assim, a prática espiritual tem uma função muito mais para o outro do que para nós mesmos. Quando nos empenhamos neste caminho, optamos por favorecer o caminho espiritual de cada um, tentando gerar, de algum modo, sabedoria (contrário da ignorância), liberação (contrário ao apego) e pacificação (contrário à raiva). Ignorância, apego e raiva são os três venenos principais, responsáveis pelo obscurecimento da mente.

Nosso empenho diário, em que buscamos a liberação para o benefício de todos os seres, deve estar centrado no outro. O outro é, na prática espiritual, mais precioso que uma jóia mágica que realiza desejos. O outro é o centro de nosso trabalho. Se o outro é nosso centro de atenção, devemos presa-lo e estima-lo como mais importante que nós mesmos.

As necessidades dos outros precisam sem compreendidas e é necessário tentar compreender o universo de onde o outro fala. Compreender o que ele vê e perceber o que ele sente. Somente quando compreendemos o outro conseguimos auxilia-lo. E caso não consigamos compreender os anseios do outro, devemos mesmo assim tentar ajuda-lo. Contudo, o bem mais precioso que pode ser oferecido a cada um é a prática espiritual, a possibilidade de liberação dos venenos da mente.

O compromisso com a liberação dos outros, tratando-os como os mais importantes, no recolhimento dos votos de bodhisatwa, permite-nos a evolução da prática individual.








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