Continuando o estudo dos oito versos que mudam a mente, chegamos ao terceiro verso. Neste verso nos deparamos com o risco de sermos levados por emoções aflitivas ou emoções negativas.
Gostaria de, neste item, explorar as três principais emoções negativas, ou venenos, que nos prendem ao ciclo sansárico. Quando nos aproximamos da iconografia tibetana e temos acesso à Roda da Vida, ícone que ilustra este texto, percebemos ao centro os três animais que simbolizam o início do ciclo do sansara: o javali, o galo e a cobra.
O javali representa a ignorância. A ignorância é a primeira emoção aflitiva, ela surge da incapacidade que temos de reconhecer a verdade não dual, surge da incapacidade de não reconhecermos a natureza pura da mente.
Somos ignorantes sempre que acreditamos que estamos certos de algo. Somos ignorantes sempre que temos certeza de que as coisas são estáveis e permanentes. Somos ignorantes sempre que decidimos que algo está certo e algo está errado. A ignorância nos lança para um mundo dualista, maniqueísta, que divide o universo entre bem e mal, certo e errado.
Em tempos de degenerescência, o dualismo aparece como mola de propulsão, como energia movente que nos joga de um lado para o outro. Contudo, o que nos prende a um dos lados do dualismo é a tendência humana à ignorância. A ignorância surge, portanto, do afastamento da mente de sua natureza original, pura, não dual. Em sua natureza a mente é límpida, mas ao nos afastarmos natureza original iniciam-se os lampejos de ignorância e começamos a escolher coisas por prazer ou por identificação, escolhemos isso ou aquilo. ignorância, por suas características, está relacionada ao reino dos animais.
No momento em que escolhemos as coisas, nos apegamos a elas, temos o prazer de nos apegar. O apego é a segunda emoção negativa. Na Roda da Vida, ele é simbolizado pelo galo, que se apega à beleza, às formas, às cores. Como ignorantes, temos a tendência a nos apegarmos a tudo. De uma forma simples, nos apegamos ao que escolhemos. Nossa escolha, muitas vezes, não é intencional, pode ser por influências externas ou por disposições do carma. Em alguns casos nem sabemos por qual motivos nos apegamos a algo. Após nos apegarmos, acreditamos que aquilo é de fato o real, sendo a única opção. O apego é, por isso, mais um dos venenos da mente. O apego nos faz acreditarmos na permanência de nosso prazer, de nosso objeto de apego. Quando nos apegamos decidirmos permanecer para sempre com o que foi escolhido. Desta forma, o apego está associado ao reino dos fantasmas famintos, que por apego renascem nessa condição.
Quando escolhermos algo, passamos a defende-lo. A defesa do que acreditamos faz com que nos coloquemos num permanente embate. Este embate surge a partir da raiva. A raiva é representada pela cobra na Roda da Vida. A cobra simboliza a defesa agressiva de algo. Com isso, percebemos que nossa agressividade tem um único fundamento, o apego. Se nos apegamos a algo, vamos defende-lo com voracidade. A raiva tem uma única origem, o embate que travamos em defesa do objeto do apego.
É curioso que em boa parte de nossas desavenças o apego seja o princípio e a defesa deste apego se manifesta como raiva. Temos raiva sempre que nossas ideias e/ou crenças são refutadas, sempre que nos deparamos com o contraditório, com a possibilidade de oposição. Temos raiva sempre que nossos desejos não são alcançados. A raiva é, talvez, o veneno que nos mantém mais distantes da natureza da mente, pois e ela tem um poder destrutivo avassalador. A tradição tibetana associa a raiva ao reino dos infernos.
Ao voltarmos nossa mente para o terceiro verso, percebemos o quanto essas emoções são capazes de nos afastar da natureza de nossa mente, gerando sofrimento a nós e a todos os seres.
Diz o terceiro verso:
Em todos os meus atos, vou aprender a examinar a minha mente
E, sempre que surgir uma emoção negativa,
Pondo em risco a mim mesmo e aos outros,
Vou, com firmeza, enfrentá-la e evitá-la.
As três emoções negativas (venenos) aqui citadas são riscos evidentes de colocarmo-nos distante da compaixão e da mente búdica, elas têm a força de nos afastar da liberação individual. A forma com que interagimos com as três emoções pode colocar em risco não somente o processo de liberação individual, como também o de cada um que conosco convive. Desta forma, em todos os nossos atos é necessário analisar as tendências da mente e ter clareza do que fazemos, somente assim podemos minimizar o impacto de nossas ações. O exame de nossas mentes sempre que surge um sentimento permite o enfrentamento e a possibilidade de evitar a manifestação e o florescimento destes venenos, permitindo o surgimento da bodhichita. Evitamos essas emoções negativas com um único objetivo, o bem-estar de todos os seres.
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