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As incomensuráveis - Oito versos que mudam a mente - Segundo verso

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A mente búdica pressupõe a prática da compaixão em sua união com a vacuidade. Tal experiência pode ser compreendida no universo de qualidades incomensuráveis apresentadas pelo Bodhisatwa Cherenzig (Budha da Compaixão), quais sejam apresentadas como Amor, Compaixão, Equanimidade e Alegria.

Para todos os momentos e todos os seres, devemos em tudo aplicar as quatro incomensuráveis, independente de onde estamos ou do que fazemos.
As incomensuráveis nos mostram que para atingir a mente búdica é necessário desenvolver por cada um e por todos os seres, de modo livre, sem raiva, apego ou ignorância, um sentimento de imensa conexão e devoção.

Para o budismo, o universo não teve começo e não terá fim. Os elementos que o compõe são e serão os mesmos, mantendo-se uma continuidade essencial entre todas as coisas que num momento se apresentam de uma forma e logo mais de outra, passando por constantes transformações. Há, portanto, uma constante impermanência na aparência de todas as coisas, porém há algo que continua sendo o mesmo, independente de como cada coisa apareça. Assim, entre aquilo que permanece e aquilo que de várias formas se apresenta, temos a interdependência de todas as coisas.

Se o universo sempre existiu e o que muda de modo impermanente são somente as aparências, logo, em essência, sempre estivemos conectados com todos os seres. Nessa reflexão, em nossas incotáveis vidas todos os seres em algum momento foram nossos pais e nossas mães. Como nossos pais e mães cada ser nos concedeu, ao menos uma vez, o bem mais precioso que é vida.

Nesta reflexão chegamos a nossa existência atual, o nascimento humano precioso. Como humanos podemos ter consciência de tudo isso e considerar cada ser como aquele que nos concede a vida hoje. Com tal sabedoria, podemos reconhecer no outro a interdependência essencial e a partir dai considera-lo à luz das quatro incomensuráveis.

Se cada ser foi em algum momento aquele que nos concedeu a vida, não há outro sentimento mais adequado a eles que o amor e a compaixão. Podemos ter problemas com nossos pais nessa vida, mas não há dúvida que um sentimento de gratidão e devoção se mantém quando valorizamos nossa existência humana. O amor e a compaixão gerados por considerarmos todos os seres como nossos pais e mães e a consideração de que as aparências deste momento são impermanentes e todos morrerão, assim como todos nasceram, nos faz compreender a qualidade da equanimidade.

De modo equânime devemos agir para com todos os seres, oferecendo a cada um deles o que é necessário, porém considerando que são diferentes. Assim, com equanimidade consideramos que todos nascem e todos morrem, mas que durante as aparências desta vida precisam de coisas diferentes, nossa alegria deve concentrar-se em oferecer condições de que cada um, onde estiver, possa acessar tais elementos.

Por fim, agir com amor, compaixão e equanimidade gera em nós alegria imensa. Essa alegria tem a ver com a serenidade de ver outro satisfazendo-se com nossas ações. Sempre que geramos alegria, nos tornamos mais alegres, alcançando mais e mais a capacidade de possuir as incomensuráveis.

Diz o segundo verso que muda a mente:

2. Sempre que estiver na companhia de outras pessoas, vou aprender
A pensar em minha pessoa como a mais insignificante dentre elas,
E, com todo respeito, considera-las supremas
Do fundo do meu coração.

Com a apresentação feita até aqui podemos compreender com mais facilidade o que sustenta o segundo verso. Contudo, o verso chama a atenção para um elemento primordial, todo esse sentimento precisa ser verdadeiro e surgir “do fundo do coração”. Ou seja, tal sentimento precisa ser desenvolvido de forma subjacente, marcado efetivamente não nossa simples aparência, mas mudando aquilo que permanece. Assim, se subjacente, essencial, sem direcionamento ou interesse mundano, surge como possibilidade de iluminação.

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